REVISÃO

Evidências e regulação para autotestes de COVID-19

Evidence and regulation for COVID-19 self-tests

Erika Barbosa Camargo *
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Maíra Catharina Ramos
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Flavia Tavares Silva Elias
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil

Evidências e regulação para autotestes de COVID-19

Vigilância Sanitária em Debate, vol. 11, pp. 1-9, 2023

INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 11 Abril 2022

Aprovação: 21 Novembro 2022

RESUMO

Introdução: O desenvolvimento de novos testes diagnósticos para o vírus SARS-CoV-2 é uma etapa estratégica para a prevenção e o controle da COVID-19. Para regular o mercado dos autotestes de detecção de antígenos do SARS-CoV-2, a agência regulatória brasileira emitiu resolução que oportunizou a introdução de autotestes no Brasil.

Objetivo: Realizar uma comparação entre os novos requisitos técnicos de autotestes de antígeno para a COVID-19 com dados e informações disponíveis na literatura.

Método: Trata-se de uma revisão sistemática da literatura para a realização de um estudo comparativo entre as evidências científicas e os novos requisitos técnicos para comercialização de autotestes de antígeno para COVID-19 no Brasil. A busca foi realizada em outubro de 2021 e atualizada em janeiro de 2022.

Resultados: Dos 517 estudos identificados, nove foram incluídos. Os estudos reportaram resultados de sensibilidade e especificidade adequados para maioria dos autotestes realizados em pessoas sintomáticas. Os estudos trazem uma variedade de testes disponíveis e um deles foi registrado para comercialização no Brasil. Baseados nesse desfecho, a regulação nacional segue os padrões que favorecem a promoção de automonitoramento por parte da população, o que pode contribuir para uma política de saúde pública.

Conclusões: Os requisitos técnicos contidos na nova regulação e no plano nacional estão condizentes com as evidências encontradas, o que assegura confiabilidade para a tomada de decisão tanto dos consumidores, clínicos e prestadores de serviços. Necessário continuar com estudos sobre cobertura de autotestes para novas variantes, políticas de descarte de material biológico e como o uso de autotestes podem contribuir para o papel dos consumidores nas ações de vigilância em saúde.

Palavras chave: COVID-19+ sars-CoV-2+ autoteste+ testes Domiciliares+ regulação.

ABSTRACT

Introduction: The development of new diagnostic tests for SARS-CoV-2 is a strategic component for the prevention and control of COVID-19. To regulate the market for SARS-CoV-2 antigen detection self-tests, the regulatory agency issued a resolution that provided for the introduction of self-tests in Brazil.

Objective: To perform a comparison between the new technical requirements of antigen self-tests for COVID-19 with data and information available in the literature.

Method: This is a systematic literature review to carry out a comparative study between the scientific evidence and the new technical requirements for the commercialization of antigen self-tests for COVID-19 in Brazil. The search was performed in October 2021, and updated in January 2022.

Results: Of the 517 studies identified, nine were included. The studies reported adequate sensitivity and specificity results for most self-tests performed in symptomatic people. The studies bring a variety of tests available and one of them was registered for commercialization in Brazil. Based on this outcome, national regulation follows standards that favor the promotion of self-monitoring by the population, which can contribute to a public health policy.

Conclusions: The technical requirements contained in the new regulation and at the national level are consistent with the evidence found, which ensures reliability for decision-making by consumers, clinicians and service providers. It is necessary to continue with studies on self-test coverage for new variants, biological material disposal policies and how the use of self-tests can contribute to the role of consumers in health surveillance actions.

Keywords: COVID-19, sars-CoV-2, self-testing, home Based Testing, regulation.

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 25 de fevereiro de 2022 foram confirmados 430.257.564 casos de COVID-19 e 5.922.049 mortes em todo o mundo. Nas Américas, o número de casos até o momento foi de 146.449.862 e 2.618.433 mortes; no Brasil, o número de casos foi de 28.484.820 e 646.419 mortes1.

O vírus transmissor da COVID-19, SARS-CoV-2, pertence taxonomicamente à família dos coronavírus que contém várias outras espécies que causam doenças humanas leves a graves2, sendo transmitido a humanos, após o surgimento de mutações na glicoproteína spike (proteína S) e proteína N do nucleocapsídeo3.

O desenvolvimento de novos testes diagnósticos para SARS-CoV-2 é um componente estratégico para o monitoramento e controle da COVID-194. Atualmente o diagnóstico pode ser realizado por meio do autoteste de antígeno5. Para regular o mercado dos autotestes de detecção de antígenos do SARS-CoV-2, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa nº 595, de 28 de janeiro de 20226, que definiu:

§1º Entende-se como autoteste para detecção do antígeno do SARS-CoV-2 o dispositivo médico para diagnóstico in vitro cujo uso pretendido seja fornecer resultado orientativo, porém não conclusivo para o diagnóstico, realizado por usuário leigo [...].

Segundo o Plano Nacional de Expansão da Testagem (PNE-teste) para COVID-19, o teste rápido de antígeno (TR-Ag) contribui para a expansão do diagnóstico e monitoramento da situação epidemiológica da COVID-197. Os testes rápidos de antígeno utilizam amostras respiratórias de vias superiores, detectando proteínas virais e, podem oferecer uma maneira mais rápida e menos onerosa de detectar a infecção ativa de SARS-CoV-2 quando comparado aos testes de amplificação de ácido nucleico (NAAT)8. A OMS recomenda o uso de TR-Ag com desempenho ≥ 80% de sensibilidade e ≥ 97% de especificidade. O uso de TR-Ag deve ser prioritário em indivíduos sintomáticos, assintomáticos com alto risco de infecção ou em locais onde a capacidade do NAAT seja limitada8.

Potenciais variantes de preocupação (VOC) são avaliadas regularmente com base no risco apresentado à saúde pública global. Atualmente, o SARS-CoV-2 é caracterizado pela predominância das variantes Delta e Ômicron, apresentando uma tendência para o declínio de Alfa, Beta e Gama. Desde 14 de dezembro de 2021, a variante Ômicron foi confirmada em 76 países. A precisão diagnóstica dos ensaios de reação em cadeia da polimerase (PCR) e teste rápido de antígeno não parece ser afetada pela Ômicron9.

O combate à COVID-19 ainda pode ser considerado incipiente, pois, tratamentos eficazes e clinicamente validados continuam sendo investigados. Neste contexto, os kits de autoteste podem auxiliar no diagnóstico da doença10, reduzindo o ciclo de contaminação da COVID-19.

Tendo em vista a recente publicação da RDC nº 595/2022, o objetivo deste estudo foi comparar a performance clínica dos autotestes para VOC da COVID-19 identificados em revisão sistemática com os novos requisitos técnicos para comercialização de autotestes de antígeno para COVID-19 publicados pela Anvisa.

MÉTODO

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura para a realização de um estudo comparativo entre as evidências científicas identificadas e os novos requisitos técnicos para comercialização de autotestes de antígeno para COVID-19 propostos pela Anvisa.

A pergunta do estudo foi estruturada a partir do anacrônico “PECO”11, sendo: (P) população; (E) exposição; (C) comparador; (O) desfechos. A pergunta foi “Qual a performance clínica dos autotestes para variantes de preocupação da COVID-19?”, considerando-se toda população, reagentes ou não à COVID-19; expostas a autotestes para COVID-19 em comparação com o teste padrão-ouro real-time polymerase chain reaction (RT-PCR) ou testes comparando a performance clínica entre autotestes e teste realizado por profissional de saúde. Considerou-se como desfechos de performance clínica dos autotestes as seguintes medidas: sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo, na forma como foram apresentadas pelos autores.

Para fins conceituais12 , 13 , 14, foram definidos indicadores como: (i) acurácia – a probabilidade de o teste apresentar resultados fidedignos; (ii) sensibilidade – proporção de indivíduos doentes e que apresentam teste positivo; (iii) especificidade – proporção de indivíduos saudáveis e que apresentam teste negativo; (iv) proporção de verdadeiro positivo (VPP) - proporção de indivíduos que apresentam resultado positivo no teste avaliado no total de doentes, segundo o padrão ouro e (v) proporção de verdadeiro negativo (VPN) – proporção de indivíduos que apresentam resultado negativo no novo teste e são saudáveis, segundo o padrão ouro.

Foi realizada uma busca de estudos que descrevessem autotestes de diagnóstico para COVID-19 que analisassem a acurácia para as variantes: Alfa, Beta, Gama e Delta.

As primeiras buscas foram realizadas em outubro de 2021 e atualizadas em janeiro de 2022. Foram utilizadas seis bases de dados: PubMed, Embase, Cochrane Library , Web of Science , Scopus e OVID. A busca pela literatura cinzenta foi realizada a partir de rastreamento e identificação de referências bibliográficas dos estudos incluídos, sites governamentais e Google Scholar.

Para a estratégia de busca, utilizou-se os termos “COVID-19”, “ Self-testing ” e seus respectivos sinônimos, adaptados de acordo com as especificidades de cada base. Na ocasião da busca, foram realizadas experimentações incluindo descritores das VOC, mas não foram encontrados artigos. Então preferiu-se ampliar a busca para minimizar perdas de estudos que não citaram as variantes no título e resumo.

Para a remoção das duplicatas e para a organização dos estudos identificados, utilizou-se o gerenciador de referências Mendeley®. A seleção dos artigos incluídos foi realizada em duas etapas (título e resumo, e leitura completa), sendo avaliada de forma independente por dois revisores, utilizando-se a ferramenta Rayyan®. As diferenças foram resolvidas por um terceiro revisor.

Foram predefinidos critérios de inclusão e de exclusão para a busca e seleção dos estudos. Foram incluídos os estudos que avaliaram autotestes, supervisionados ou não, com a coleta de dados realizada a partir de 2021, uma vez que se objetivou identificar a performance de autotestes para as VOC da COVID-19. Não houve filtro de ano e idioma. Foram excluídos estudos que não avaliaram a performance clínica dos autotestes para as VOC surgidas em 2021; estudos de autoteste de anticorpo, por não terem validade diagnóstica; e estudos sem descrição da performance clínica.

Foram coletadas as seguintes informações nos estudos: caracterização do estudo (autor/ano, título, objetivo, resultados, recomendações), caracterização do teste (fabricante, nome comercial, coleta, amostra, população), performance clínica (resultado reagente/positivo para COVID-19, sensibilidade, especificidade), conforme os achados reportados pelos autores.

Para a análise da qualidade das evidências, foi usado o checklist QUADAS 2 específico para avaliação de testes diagnósticos15. A revisão sistemática foi registrada na plataforma openScience , sob o título de “Revisão rápida para avaliar a performance clínica dos autotestes (antígenos) para COVID-19”, disponível em: <osf.io/pnfyd>.

A análise teve como foco a descrição narrativa dos estudos encontrados na literatura sobre os autotestes de diagnóstico para COVID-19 que analisassem a acurácia para as variantes Alfa, Beta, Gama e Delta, comparando-as com os requisitos técnicos descritos na RDC nº 595/20226, e o PNE-teste para COVID-19 de 20227.

RESULTADOS

Revisão da literatura

Foi identificado um total de 517 estudos nas seis bases de dados utilizadas e, a partir da retirada das duplicatas, foram selecionados 507 estudos para a leitura dos títulos e resumos. Após a leitura dos títulos e dos resumos, 83 estudos foram selecionados para a leitura dos textos completos com base nos critérios de inclusão e exclusão predefinidos. Destes, 52 não apresentavam período de coleta do ano de 2021, 14 não apresentavam performance clínica, sete não apresentavam o desfecho esperado e um era resumo expandido de congresso. Ao final foram incluídos nove estudos16 , 17 , 18 , 19 , 20 , 21 , 22 , 23 , 24 ( Figura ).

Fluxograma de seleção de estudos.
Figura
Fluxograma de seleção de estudos.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

No Quadro 1 , encontram-se as principais características dos estudos incluídos. A avaliação da qualidade dos estudos de acordo com os critérios do QUADAS 2 checklist está apresentada no Quadro 2 .

Quadro 1
Características dos estudos incluídos.
Características dos estudos incluídos.
OP/NP: orofaringeo/nasofaríngeo; RT-qPCR: quantitative reverse transcription PCR ; TR-Ag: teste rápido de antígeno; VOC: variantes de preocupação; OR: razão de chances; IC: intervalo de confiança.

Quadro 2
Qualidade da evidência avaliada a partir do QUADAS 2 checklist.
Qualidade da evidência avaliada a partir do QUADAS 2
        checklist.
* O estudo foi interrompido precocemente devido ao recrutamento insuficiente e à decisão do patrocinador após 70 participantes positivos para RT-PCR. ** O estudo foi interrompido precocemente devido à baixa sensibilidade dos testes de saliva avaliados.

No que concerne à aplicabilidade dos TR-Ag, o estudo de Jungnick et al.20 não pode ser considerado para a validação clínica, pois se trata de investigação in vitro de base laboratorial, cujo objetivo foi detectar o desempenho analítico do autoteste (nenhuma amostra clínica da vida real foi utilizada). Observa-se que o desempenho foi testado com amostras infecciosas de SARS-CoV-2 derivadas de cultura celular que foram diluídas em meio de Dulbecco modificado por Eagle (DMEM) e saliva de doadores voluntários negativos para SARS-CoV-2 por quantitative reverse transcription PCR (RT-qPCR). No entanto, nenhum dos TR-Ag testados no estudo está atualmente aprovado para uso com saliva por seus fabricantes.

O estudo de Sakai-Tagawa et al.21 destacou que amostras de SARS-CoV-2 derivadas de cultura celular, as quais não foram provenientes de amostras clínicas, podem ter sido comprometidas devido a alguns componentes biológicos derivados da microflora humana ou indígena que podem interferir na detecção de antígenos virais ou causar uma reação falso-positiva.

O estudo de James Regan et al.22 ( preprint ) realizou validação laboratorial do TR-Ag BinaxNow com amostras de swab nasal anterior (AN) de participantes com teste positivo para PCR COVID-19, do estudo de virologia COVID-1925. Amostras de duas variantes foram incluídas no estudo, Ômicron e Delta com diluições diferentes. No que concerne à aplicabilidade do TR-Ag BinaxNow, sugere-se que o teste pode detectar as infecções por SARS-CoV-2 da variante Ômicron, no entanto, trabalhos futuros devem avaliar mais detalhadamente a validade diagnóstica e o alcance de detecção do ensaio para esta nova variante, bem como seu desempenho em cenários clínicos e de saúde pública.

No que concerne à aplicabilidade, no estudo de van Ogtrop et al.24, a sensibilidade exata do TR-Ag PanBio para variantes SARS-CoV-2 B.1.1.7 (Alfa) não pôde ser estimada com segurança. Além disso, o estudo não foi configurado como um estudo prospectivo com o objetivo de comparar o desempenho do TR-Ag em populações infectadas com a variante não B.1.1.7 e a variante B.1.1.7. Foi observado que a sensibilidade e o desempenho do TR-Ag PanBio diminuíram ao longo do tempo, o que levou a sua descontinuação para fins de controle de infecção no hospital.

O estudo de Meriem Bekliz et al.23 ( preprint ) avaliou 11 TR-Ag para detectar variantes cultivadas de SARS-CoV-2. Os dados encontrados não substituem as avaliações clínicas. Os TR-Ag mostraram-se eficazes para detectar todas as VOC, incluindo a variante Delta e podem auxiliar no diagnóstico e controle do SARS-CoV-2.

O estudo de Osmanodja et al.16 mostrou que o TR-Ag, quando comparado com os resultados do RT-PCR, obteve sensibilidade de 88,6% (62/70 PCR positivos detectados IC95% 78,7%–94,9%) e a especificidade entre os pacientes sintomáticos foi de 99,5% (203/204 IC95%: 97,3–100,0%). Com relação às variantes, 44 participantes foram diagnosticados com VOC B.1.1.7 e 26 participantes não tiveram nenhum VOC detectado. A sensibilidade do TR-Ag entre aqueles pacientes com VOC Alfa foi de 88,6% (39/44), o que não diferiu significativamente (p = 0,9075) daqueles sem VOC, nos quais a sensibilidade foi de 84,6% (22/26).

O estudo prospectivo de Willeit et al.19 reportou menor sensibilidade, mas especificidade semelhante em crianças em comparação com estudos anteriores em adultos. A coleta de amostras não foi realizada por equipe médica treinada, mas por alunos da 1ª a 8ª série e seus professores, o que pode impactar substancialmente a taxa de detecção. Além disso, a sensibilidade dos testes baseados em antígenos é maior em pacientes sintomáticos, pois a carga viral é maior.

No estudo de Homza et al.17 foram coletadas e analisadas 2.287 amostras. A sensibilidade e a especificidade dos testes realizados por profissionais de saúde (amostra nasofaríngea, NPS e amostra de swab nasal anterior, ANS) foram superiores aos testes com autocoleta (saliva). Independentemente do fabricante do teste de saliva, observou-se uma baixa sensibilidade (< 40%), enquanto a especificidade desses autotestes foi superior a 89% em sintomáticos ou assintomáticos. Os autotestes de amostra de saliva apresentaram baixa sensibilidade (< 45%) e alta especificidade (> 90%).

No estudo de Poukka et al.18, os autores compararam os valores de c ycle threshold (Ct) obtidos de amostras autocoletadas com amostra NPS coletada por profissional de saúde. O NPS teve o menor valor de Ct (22,07 DP, 4,63), embora não tenha sido significativamente inferior aos valores para expectoração de muco (25,82 [DP, 9,21] p = 0,28) e escarro coletado pela manhã (23,51 [DP, 4,57] p = 0,11). Ambas as amostras de gargarejo apresentaram valores de Ct significativamente mais altos em comparação com a coleta NPS feita pelo profissional de saúde.

Políticas para a saúde pública brasileira

Em janeiro de 2022, a Anvisa publicou a RDC nº 5956 que dispôs sobre os requisitos e procedimentos para a solicitação de registro, distribuição, comercialização e utilização de dispositivos médicos para diagnóstico in vitro como autoteste para detecção de antígeno do SARS-CoV-2. No mesmo mês, o Ministério da Saúde publicou o PNE-Teste7 que tratou da expansão do diagnóstico da COVID-19 por TR-Ag com o objetivo de monitorar a pandemia no território nacional ( Quadro 3 ).

Quadro 3
Critérios da RDC nº 595/2022 da Anvisa e Plano Nacional de Expansão da Testagem (PNE-Teste) do Ministério da Saúde.
Critérios da RDC nº 595/2022 da Anvisa e Plano Nacional de Expansão da Testagem (PNE-Teste) do Ministério da Saúde.

Dos autotestes identificados nesta revisão, apenas um teste possuía registro na Anvisa até a data de 23 de março de 2022, o Panbio COVID-19 Ag RAPID, da Abbott (sensibilidade e especificidade declaradas pelo fabricante de 98,1% [IC95% 93,2%–99,8%] e 99,8% [IC95% 98,6%–100,0%], respectivamente). A performance clínica do Panbio COVID-19 Ag RAPID foi avaliada em quatro estudos incluídos20 , 21 , 23 , 24.

DISCUSSÃO

Os resultados encontrados nos estudos mostraram que um dos TR-Ag identificados nos estudos incluídos nesta revisão sistemática possui registro na Anvisa no período estudado, portanto, os consumidores devem estar atentos aos testes oferecidos no mercado brasileiro. As regras de registro no Brasil exigem que o produtor envie solicitação de comercialização no país, motivo pelo qual há testes citados nos artigos que não estão registrados. Ainda, há de se ponderar a recente autorização para comercialização de testes com autocoleta de material biológico para diagnóstico de COVID-19, fator que pode influenciar o número de TR-Ag identificado na literatura com registro na Anvisa.

No estudo de Osmanodja et al.16, a sensibilidade do TR-Ag foi de 96,7%, o que difere dos resultados encontrados na literatura. Lee et al.25 realizaram revisão sistemática com 24 estudos, somando 14.188 pacientes, que utilizaram testes rápidos de detecção de antígenos (RADT), identificando uma sensibilidade geral combinada de 0,68 (IC95%, 0,59–0,76). A RDC nº 595/2022 da Anvisa e o PNE-teste recomendam sensibilidade ≥ 80% e especificidade ≥ 97%. No estudo de Willeit et al.19, a sensibilidade do autoteste variou de 17,0%-44,0% nas escolas primárias, 13,3%-59,4% nas escolas secundárias e 28,7%-86,6% em professores,

Homza et al.17 avaliaram a acurácia do autoteste considerando dois tipos de amostra: para amostras de NPS, a sensibilidade foi de 80,60% (IC95%73,5-86,5), a especificidade, 98,50% (IC95% 96,4–99) e, para amostras de saliva, a sensibilidade foi de 32,80% (IC95% 25,8–40,3) e especificidade de 89,30% (IC95% 84,6–92,9). A Anvisa recentemente mandou retirar os TR-Ag do mercado brasileiro que utilizavam como amostra a saliva devido à baixa sensibilidade identificada. Na literatura, Homza et al.17 alertaram fortemente a avaliação independente dos autotestes baseados em saliva antes da distribuição e do uso desses testes para testagem em massa da população, recomendação semelhante à realizada por Brümmer et al.26.

Poukkaet et al.18 avaliaram amostras de gargarejo autocoletado, identificando sensibilidade de 0,97 (IC95% 0.92–1.00) e especificidade de 0,50 (IC95% 0.00–1.00).

O estudo de Jungnick et al.20 mostrou que todos os TR-Ag investigados foram capazes de detectar as VOC B.1.1.7 (Alpha), B.1.351 (Beta), P.1 (Gama) e B.1.617.2 (Delta) com um desempenho comparável às não VOC B.1.1, apesar de que pequenas variações no limite de detecção (LoD) tenham sido observadas. O estudo de Sakai-Tagawa et al.21 avaliou a sensibilidade da variante Delta do SARS-CoV-2 em 27 TR-Ag. Os autores identificaram que oito deles apresentaram sensibilidade para detectar variantes Delta , entretanto, as informações fornecidas pelos fabricantes de TR-Ag sugerem baixa sensibilidade contra a variante Delta.

Embora o estudo de James Regan et al.22 ( preprint ) não tenha pretendido identificar um limite de detecção para este ensaio, os dados sugerem que o ensaio BinaxNow tem um LoD de aproximadamente 2,0 x 104–7,0 x 104 cópias virais/ swab .

A maioria dos TR-Ags obtiveram desempenho para detectar a variante Delta , sendo comparável às outras variantes. Um único teste, Sure Status Ag Test ( Premier Medical Corporation Ltd.), mostrou uma sensibilidade maior para as variantes Alfa , Beta e Gama do que para a variante Delta. O TR-Ag Flowflex Ag Test (ACON) demonstrou maior sensibilidade para a variante Delta23.

No estudo em questão, os autores avaliaram a acurácia de 11 TR-Ag. Apesar das pequenas diferenças de sensibilidade, os TR-Ag permanecem, em princípio, eficazes para detectar todas as VOC, incluindo a variante Delta, e podem ser usados para diagnóstico, de forma a monitorar a disseminação do SARS-CoV-223.

Dentre as barreiras apontadas nos estudos para a implementação dos testes no Brasil, encontra-se a confiabilidade das informações da acurácia dos testes. Há necessidade de validações independentes, uma vez que se identificou resultados que não refletem os dados relatados pelos fabricantes. Uma meta-análise publicada no The Lancet identificou sensibilidade de 0,97 (IC95% 0,92–0,99) e especificidade de 0,97 (IC95% 0,92–0,99) para os autotestes de swab nasal e de garganta (orofaríngeos) combinados e sensibilidade de 0,85 (IC95% 0,69–0,96) e especificidade de 0,98 (IC95% 0,92–1,00) para os autotestes de amostra com swab nasal, ambos comparados à coleta por profissional de saúde27.

A moderada sensibilidade dos autotestes de swab nasal (~85%) sugere risco potencial de perder 15% dos casos infectados. Em contexto pandêmico, as implicações de um falso diagnóstico influenciam a gravidade da pandemia (nos casos de falso negativo) ou expõem o usuário saudável a procedimentos médicos desnecessários, incluindo a possibilidade de internações indevidas27.

No contexto regulatório, a pandemia de COVID-19 acelerou os processos de avaliação para comercialização e/ou incorporação das tecnologias, ponto defendido por muitos pesquisadores como um avanço na política regulatória28. Embora alguns questionamentos sobre o autoteste de COVID-19 continuem sem resposta definida, como das possíveis barreiras linguísticas, de como mitigá-las e de como ocorrerá o fluxo de descarte dos autotestes29, a nova regulamentação proporciona espaço para que consumidores se automonitorem em caso de sintomas.

No Brasil, há a prerrogativa de excepcionalidade dos autotestes para COVID-19, uma vez que a RDC nº 36, de 26 de agosto de 2015, que dispõe sobre diagnósticos in vitro , afirme não ser passível de enquadramento como autotestes produtos que tenham por finalidade testar amostras para verificação da presença ou exposição a organismos patógenos30. Com a publicação da nova RDC (nº 595), há a prerrogativa de que as indústrias solicitem o registro de outros autotestes? Qual o impacto dessa decisão na política regulatória? Essas perguntas importam para as decisões de saúde pública e para ações regulatórias futuras. Esse trabalho possui limitações metodológicas, tais como: a escassez de estudos que correlacionem a disponibilidade dos TR-Ag no mercado e a validação independente dos testes em populações clínicas, e em resposta a variantes virais.

Ao mesmo tempo, a revisão traz um panorama de testes que foram objeto de avaliação no período estudado, ressaltando-se que foi importante o papel da Anvisa para regulação da comercialização de autotestes no Brasil, haja vista que cada vez mais consumidores e usuários estão conhecendo a doença e podem se automonitorar como uma forma de tomar medidas individuais de evitar a transmissão.

De modo geral, observou-se adequada sensibilidade e especificidade dos autotestes baseadas em antígenos em comparação com os testes de PCR para COVID-19, principalmente em sintomáticos. Isso facilita a obtenção de resultados rápidos, mesmo que como forma de triagem, tanto para consumidores como profissionais na atenção primária.

Adicionalmente, autotestes tornam-se úteis para países com inadequada cobertura vacinal e alta incidência de COVID-19. Do ponto de vista da pesquisa e desenvolvimento, a oferta de diferentes testes e as novas alternativas e técnicas de diagnóstico rápido são promissoras para futuras epidemias.

CONCLUSÕES

Em geral, os autotestes de amostra baseada em esfregaço nasal anterior parecem ser ideais. O uso da saliva não é indicado por muitos fabricantes devido à impossibilidade de se padronizar a amostra. A coleta de autotestes parece ser simples e viável de realização na vida real, entretanto, destaca-se que a segurança dos autotestes não foi objeto de estudo desta revisão.

A sensibilidade dos autotestes apresentados na maioria dos estudos foi pesquisada em nível laboratorial, necessitando, assim, de estudos clínicos mais precisos, no entanto dois estudos em fase de preprint avaliaram preliminarmente amostras de populações específicas e indicam que os testes possuem potencial promissor para VOC. Essas evidências corroboram para a decisão regulatória nacional.

Baseado nas evidências identificadas, recomenda-se o uso de autotestes como estratégias de triagem, desde que atendam às recomendações da política regulatória local. No atual cenário da pandemia, na qual as atividades educacionais e laborais estão voltando à modalidade presencial, o autoteste pode ter um impacto significativo no controle da transmissão do SARS-CoV-2, em especial entre a população não vacinada ou mesmo em virtude de reinfecções em populações vacinadas.

Agradecimentos

O estudo teve apoio do projeto cooperação “Ações para apoio à governança regulatória de produtos sujeitos à vigilância sanitária”.

REFERÊNCIAS

World Heatlh Organization – WHO. WHO coronavirus (COVID-19) dashboard. Geneva: World Heatlh Organization; 2021.

Cui J, Li F, Shi ZL. Origin and evolution of pathogenic coronaviruses. Nat Rev Microbiol. 2019;17(3):181-92. https://doi.org/10.1038/s41579-018-0118-9

Benvenuto D, Giovanetti M, Ciccozzi A, Spoto S, Angeletti S, Ciccozzi M. The 2019-new coronavirus epidemic: evidence for virus evolution. J Med Virol. 2020;92(4):455-9. https://doi.org/10.1002/jmv.25688

Vandenberg O, Martiny D, Rochas O, van Belkum A, Kozlakidis Z. Considerations for diagnostic COVID-19 tests. Nat Rev Microbiol. 2021;19(3):171-83. https://doi.org/10.1038/s41579-020-00461-z

Pourbagheri-Sigaroodi A, Bashash D, Fateh F, Abolghasemi H. Laboratory findings in COVID-19 diagnosis and prognosis. Clin Chim Acta. 2020;510:475. https://doi.org/10.1016/j.cca.2020.08.019

Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa. Resolução RDC No595, de 28 de janeiro de 2022. Dispõe sobre os requisitos e procedimentos para a solicitação de registro, distribuição, comercialização e utilização de dispositivos médicos para diagnóstico in vitro como autoteste para detecção de antígeno do SARS. Diário Oficial União. 29 jan 2022.

Ministério da Saúde (BR). Plano nacional da testagem para COVID-19/PNE-teste. Brasília: Ministério da Saúde; 2022.

World Heatlh Organization – WHO. Antigen-detection in the diagnosis of SARS-CoV-2 infection. Geneva: World Heatlh Organization; 2021[acesso 4 nov 2021]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/antigen-detection-in-the-diagnosis-of-sars-cov-2infection-using-rapid-immunoassays

Stanley S, Hamel DJ, Wolf ID, Riedel S, Dutta S, Cheng A et al. Limit of detection for rapid antigen testing of the SARS-CoV-2 omicron variant. medRxiv. 30 jan 2022. https://doi.org/10.1101/2022.01.28.22269968

Yüce M, Filiztekin E, Özkaya KG. COVID-19 diagnosis: a review of current methods. Biosens Bioelectron. 2021;172. https://doi.org/10.1016/j.bios.2020.112752

Camargo EB, Pereira ACES, Gliardi JDM, Pereira DR, Puga ME, Silva ET et al. Judicialização da saúde: onde encontrar respostas e como buscar evidências para melhor instruir processos. Cad Ibero-Am Direito Sanit. 2017;6(4):27-40. https://doi.org/10.17566/ciads.v6i4.410

Ferreira JC, Patino CM. Entendendo os testes diagnósticos parte 1. J Bras Pneumol. 2017;43(5):330-1. https://doi.org/10.1590/S1806-37562017000000330

Patino CM, Ferreira JC. Entendendo os testes diagnósticos parte 2. J Bras Pneumol. 2017;43(6):408. https://doi.org/10.1590/S1806-37562017000000424

Ferreira JC, Patino CM. Entendendo os testes diagnósticos parte 3. J Bras Pneumol. 2018;44(1):4. https://doi.org/10.1590/S1806-37562018000000017

Whiting PF, Rutjes AWS, Westwood ME, Mallett S, Deeks JJ, Reitsma JB et al. Quadas-2: a revised tool for the quality assessment of diagnostic accuracy studies. Ann Intern Med. 2011;155(8):529-36. 1 https://doi.org/0.7326/0003-4819-155-8-201110180-00009

Osmanodja B, Budde K, Zickler D, Naik MG, Hofmann J, Gertler M et al. Accuracy of a novel SARS-CoV-2 antigen-detecting rapid diagnostic test from standardized self-collected anterior nasal swabs. J Clin Med. 2021;10(10):4-11. https://doi.org/10.3390/jcm10102099

Homza M, Zelena H, Janosek J, Tomaskova H, Jezo E, Kloudova A, et al. Performance of seven SARS-CoV-2 self-tests based on saliva, anterior nasal and nasopharyngeal swabs corrected for infectiousness in real-life conditions: a cross-sectional test accuracy study. Diagnostics. 2021;11(9):1-12. https://doi.org/10.3390/diagnostics11091567

Poukka E, Mäkelä H, Hagberg L, Vo T, Nohynek H, Ikonen N et al. Detection of SARS-CoV-2 infection in gargle, spit, and sputum specimens. Microbiol Spectr. 2021;9(1):1-9. https://doi.org/10.1128/Spectrum.00035-21

Willeit P, Bernar B, Zurl C, Al-Rawi M, Berghold A, Bernhard D et al. Sensitivity and specificity of the antigen-based anterior nasal self-testing programme for detecting SARS-CoV-2 infection in schools, Austria, March 2021. Euro Surveill. 2021;26(34):1-5. https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2021.26.34.2100797

Jungnick S, Hobmaier B, Mautner L, Hoyos M, Haase M, Baiker A et al. In vitro rapid antigen test performance with the SARS-CoV-2 variants of concern b.1.1.7 (alpha), b.1.351 (beta), p.1 (gamma), and b.1.617.2 (delta). Microorganisms. 2021;9(9):1-8. https://doi.org/10.3390/microorganisms9091967

Sakai-Tagawa Y, Yamayoshi S, Halfmann PJ, Kawaoka Y. Comparative sensitivity of rapid antigen tests for the delta variant (B.1.617.2) of SARS-CoV-2. Viruses. 2021;13(11):1-9. https://doi.org/10.3390/v13112183

Regan J, Flynn JP, Choudhary MC, Uddin R, Lemieux J, Boucau J et al. Detection of the omicron variant virus with the abbott binaxnow SARS-CoV-2 rapid antigen assay. medRxiv. 27 dez 2021. https://doi.org/10.1093/ofid/ofac022

Bekliz M, Adea K, Essaidi-Laziosi M, Escadafal C, Sacks JA, Kaiser L et al. Analytical performance of eleven SARS-CoV-2 antigen-detecting rapid tests for Delta variant. medRxiv. 7 out 2021. https://doi.org/10.1101/2021.10.06.21264535

van Ogtrop ML, van de Laar TJW, Eggink D, Vanhommerig JW, van der Reijden WA. Comparison of the performance of the panbio COVID-19 antigen test in SARS-CoV-2 B.1.1.7 (Alpha) variants versus non-B.1.1.7 variants. Microbiol Spectr. 2021;9(3):1-6. https://doi.org/10.1128/Spectrum.00884-21

Lee J, Song JU, Shim SR. Comparing the diagnostic accuracy of rapid antigen detection tests to real time polymerase chain reaction in the diagnosis of SARS-CoV-2 infection: a systematic review and meta-analysis. J Clin Virol. 2021;144:104985. https://doi.org/10.1016/j.jcv.2021.104985

Brümmer LE, Katzenschlager S, Gaeddert M, Erdmann C, Schmitz S, Bota M, et al. Accuracy of novel antigen rapid diagnostics for SARS-CoV-2: A living systematic review and meta-analysis. PLOS Med. 2021;18(8):1-41. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1003735

Tsang NNY, So HC, Ng KY, Cowling BJ, Leung GM, Ip DKM. Diagnostic performance of different sampling approaches for SARS-CoV-2 RT-PCR testing: a systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis. 2021;21(9):1233-45. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(21)00146-8

Kersh EN, Shukla M, Raphael BH, Habel M, Park I. At-home specimen self-collection and self-testing for sexually transmitted infection screening demand accelerated by the COVID-19 pandemic: a review of laboratory implementation issues. J Clin Microbiol. 2021;59(11):1-13. https://doi.org/10.1128/JCM.02646-20

Nundy S, Patel KK. Self-service diagnosis of COVID-19: ready for prime time? JAMA Heal Forum. 2020;1(3). https://doi.org/10.1001/jamahealthforum.2020.0333

Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Resolução RDC Nº 36, de 26 de agosto de 2015. Dispõe sobre a classificação de risco, os regimes de controle de cadastro e registro e os requisitos de rotulagem e instruções de uso de produtos para diagnóstico in vitro , inclusive seus instrumentos e dá outras providências. Diário Oficial União. 27 ago 2015.

Autor notes

* E-mail: erika.barbosacamargo@gmail.com

Declaração de interesses

Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por