REVISÃO

Descarte de efluentes radiográficos em instalações de saúde: uma revisão da literatura

Disposal of radiographic effluents in health care facilities: a review of the literature

Keylla Lopes Figueira
Universidade Federal do Oeste do Pará, Brasil
Vanessa Wayne Palhares da Silva
Universidade Federal do Oeste do Pará, Brasil
Kelly Lopes Figueira
Pontifícia Universidade Católica, Brasil
Elaine Cristiny Evangelista dos Reis
Universidade Federal do Oeste do Pará, Brasil
Veridiana Barreto do Nascimento
Universidade Federal do Amapá, Brasil
Marina Smidt Celere Meschede *
Universidade Federal do Oeste do Pará, Brasil

Descarte de efluentes radiográficos em instalações de saúde: uma revisão da literatura

Vigilância Sanitária em Debate, vol. 11, pp. 1-9, 2023

INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 23 Junho 2022

Aprovação: 13 Fevereiro 2023

RESUMO

Introdução: Os efluentes radiográficos no campo da saúde são originados do processamento das radiografias, que utilizam soluções reveladoras e fixadoras contendo substâncias danosas ao meio ambiente e à saúde humana.

Objetivo: Identificar na literatura as evidências nacionais e internacionais sobre as formas de descarte de efluentes radiográficos provenientes de serviços de saúde.

Método: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura realizada nas bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), U.S. National Library of Medicine (PubMed) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Selecionou-se 14 evidências científicas publicadas entre 1995 e 2020.

Resultados: A maioria dos estudos mostrou que o descarte dos efluentes radiográficos foi realizado de forma inadequada, preferencialmente em esgotos sanitários sem nenhum tratamento. Poucas evidências apontaram para a recuperação da prata presente nos efluentes e o seu envio para o tratamento e a disposição final por empresas especializadas. Apenas uma pesquisa brasileira mostrou que o descarte desses efluentes foi realizado seguindo os padrões estabelecidos pelos órgãos regulamentadores.

Conclusões: A partir das evidências encontradas, verificou-se que o descarte dos efluentes radiográficos ainda se configura como um problema mundial ambiental, uma vez que estabelecimentos produtores desses resíduos não seguem as legislações para o descarte correto e tratamento, sendo recomendada a substituição pela tecnologia digital.

Palavras chave: Resíduos Químicos+ radiografia+ meio Ambiente.

ABSTRACT

Introduction: Radiographic effluents in the health field originate from the processing of radiographs that use developing and fixing solutions containing substances harmful to the environment and human health.

Objective: To identify in the literature national and international evidence on the forms of disposal of radiographic effluents from health services.

Methods: This is an integrative literature review carried out in the Virtual Health Library (VHL), U.S. National Library of Medicine (PubMed) and Scientific Electronic Library Online (SciELO). 14 scientific pieces of evidence published between 1995 and 2020 were selected.

Results: Most studies showed that the disposal of radiographic effluents was carried out inappropriately, preferably in sanitary sewers without any treatment. Little evidence pointed to recovering silver present in the effluents and sending it for treatment and final disposal by specialized companies. Only one Brazilian survey showed that the disposal of these effluents was carried out following the standards established by regulatory bodies.

Conclusions: From the evidence found, it was concluded that the disposal of radiographic effluents is still a global environmental problem, since establishments producing these wastes do not follow the legislation for the correct disposal and treatment. That is why the replacement by digital technology is recommended.

Keywords: Chemical Waste, radiography, environment.

INTRODUÇÃO

As radiografias são meios importantes para obtenção de imagens das estruturas internas do corpo que auxiliam em diagnósticos na área da saúde. Entretanto, no processamento das imagens radiográficas são empregados reveladores, fixadores e água para lavagem, que podem conter substâncias químicas com propriedades tóxicas, e que podem conferir certo grau de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e/ou mutagenicidade1 , 2 , 3 .

O processo tradicional de obtenção de imagens radiográficas necessita de um filme radiográfico, no qual a imagem final será observada. O filme radiográfico é formado por uma folha de acetato de celulose revestida por uma emulsão de gelatina que contém cloretos e brometos de prata4 .

O filme radiográfico, uma vez exposto aos fótons de raios-X, forma a imagem invisível (latente) e, quando exposto à radiação ionizante, inicia reações químicas em que o cloreto de prata sofre oxirredução, convertendo íons de prata (Ag+) em prata metálica (Ag0) e formação de cloro a partir do cloreto (Cl-) e outras substâncias4 . Posteriormente, ocorre a etapa de revelação da imagem latente, na qual a prata é convertida na sua forma visível (a prata metálica negra). Após esse processo, se dá a fixação, na qual o cloreto de prata não afetado pela exposição é removido, seguido da fase de lavagem dos filmes radiográficos, que permite a remoção dos resíduos deixados pelas soluções de revelador e fixador. Por último, realiza-se a secagem do filme4 .

As soluções resultantes do processamento radiográfico, revelador e fixador são denominadas efluentes radiográficos. De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 222, de 28 de março de 2018, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)1 , esses efluentes são enquadrados como resíduos de serviços de saúde químicos e perigosos, pertencentes ao Grupo B, pois podem acarretar periculosidade à saúde pública e se tornar um problema ambiental se forem descartados de forma inadequada.

Os efluentes radiográficos contêm compostos de origem orgânica e inorgânica com potencial toxicidade para meio ambiente e saúde humana como: metais pesados, hidroquinona, tiossulfato de amônio, glutaraldeído5 .

Devido às características de periculosidade, antes de serem descartados, os efluentes radiográficos devem ser submetidos a um tratamento correto obedecendo aos parâmetros estabelecidos pela Resolução nº 430, de 13 de maio de 2011, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)6 , que incluem: a estabilização de pH entre 5 e 9, a manutenção da temperatura abaixo de 40°C, a remoção mínima de 60% da demanda bioquímica de oxigênio (DBO), a limitação de prata total de 0,1 mg/L, dentre outros1 , 6 .

No entanto, algumas pesquisas apontam que o tratamento dos efluentes radiográficos é realizado muitas vezes de forma inadequada e a sua destinação final acaba em cursos d’água7 , 8 , 9 .

No estudo de Kaster et al.10 verificou-se que 35% dos entrevistados descartavam os efluentes radiográficos no esgoto comum sem passar por qualquer processo de neutralização. Fato corroborado pela pesquisa desenvolvida por Oliveira et al.9 , na qual 84,8% dos participantes relataram dispensar os resíduos de revelador e fixador diretamente na pia de seus consultórios após o processamento de imagens.

No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a proporção de municípios brasileiros com cobertura sanitária cresceu de 47,3%, em 1989, para 60,3%, em 2017. Esses dados mostram que muitas cidades brasileiras ainda são desprovidas de sistema de saneamento ambiental e de tratamento satisfatórios11 .

A Região Norte destaca-se como a de maior carência sanitária, uma vez que somente 21,4% da população tem acesso aos sistemas de tratamento de esgotos12 . Diante disso, torna-se importante que os efluentes resultantes do processamento radiográfico sejam submetidos ao tratamento e à disposição final determinados pelos órgãos reguladores1 , 2 .

O interesse por pesquisar essa temática foi despertado nos autores a partir da observação e das vivências quanto ao descarte inadequado dos efluentes radiográficos em pias de consultórios odontológicos durante os anos de 2020 e 2021 em cidades que não dispõem de estações de tratamento de esgotos (ETE), como em Santarém (Pará). Esta prática evidencia a falta de fiscalização por parte dos órgãos competentes e o descumprimento das legislações vigentes, o que pode ser oriundo das poucas reflexões dos administradores dos estabelecimentos quanto às consequências geradas ao meio ambiente.

A partir do contexto apresentado, esse estudo teve como objetivo identificar e reunir as evidências disponíveis na literatura nacional e internacional sobre as formas de descarte de efluentes radiográficos provenientes de serviços de saúde.

MÉTODO

A revisão integrativa da literatura, segundo Souza et al.13 , apresenta-se como um instrumento que permite a síntese e a análise crítica de pesquisas sobre uma temática. Este método proporciona uma prática assistencial baseada em evidências científicas. Para o desenvolvimento da revisão são seguidas as seguintes fases: elaboração da pergunta norteadora, busca ou amostragem na literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa. A análise dos artigos incluídos foi feita pelas dimensões referencial e contextual de acordo com Ferreira e Bonan14 .

O presente estudo iniciou com a elaboração da pergunta norteadora que foi embasada no acrônimo PICO: P - população ou problema; I - intervenção; C - comparação ou controle; O - desfecho ou resultado13 . Desta forma, delimitou-se a pergunta norteadora: “Como é realizado o descarte de efluentes radiográficos em serviços de saúde?”.

A seleção dos artigos nas bases de dados, a leitura do título e resumo na fase de triagem, a leitura na íntegra dos artigos, a extração de dados, bem como a análise crítica dos artigos incluídos foram realizadas entre setembro e novembro de 2021, utilizando as seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), U.S. National Library of Medicine (PubMed) e Scientific Electronic Library Online (SciELO).

Primeiramente foram selecionados descritores controlados na plataforma dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): gerenciamento de resíduos; resíduos de serviços de saúde; resíduos químicos; resíduos tóxicos; radiografia; waste management ; medical waste ; chemical waste ; toxic wastes ; radiography . Todavia, ao realizar a busca nas bases de dados, poucos artigos estavam de acordo com a pergunta norteadora. Por isso, os descritores controlados foram substituídos por descritores não controlados.

Esses descritores de busca foram em português: resíduos; resíduos de saúde; materiais radiográficos; revelador e fixador. E seus correspondentes na língua inglesa: waste ; health waste ; radiographic materials ; developer e fixer . Estes foram combinados em pares a partir da lógica booleana AND da seguinte forma: (resíduos) AND (materiais radiográficos); ( waste ) AND ( radiographic materials ); (resíduos de saúde) AND (revelador e fixador) e ( health waste ) AND ( developer and fixer ).

A busca nas bases de dados respeitou os seguintes critérios de inclusão: artigos versando sobre o descarte de efluentes radiográficos em saúde; artigos na íntegra publicados no período de janeiro de 1995 a dezembro de 2020 e artigos nos idiomas inglês, português ou espanhol. Enquanto foram excluídos: artigos que não abordavam o descarte de efluentes radiográficos em saúde; textos duplicados nas bases de dados; trabalhos de conclusão de curso (monografia, dissertação e tese); revisões de literatura; opiniões públicas e/ou relato de casos.

A seleção dos artigos nas bases de dados foi realizada por dois pesquisadores independentes que encontraram a mesma quantidade de artigos. No entanto, ocorreu divergência na quantidade de artigos incluídos, por isso um terceiro pesquisador, após a análise, decidiu pela inclusão dos dois artigos divergentes. Todos os pesquisadores eram da área de saúde e estavam realizando pesquisas na área de resíduos de serviços de saúde.

A fim de realizar a extração e análise dos dados dos artigos incluídos foi confeccionada uma planilha no programa Microsoft Excel® que detalhava: autores, ano de publicação, periódico, a profissão do primeiro autor, local de realização da pesquisa, objetivos e desfecho.

RESULTADOS

Para esse trabalho, a partir da combinação dos descritores de busca, inseridos nas bases de dados selecionadas, foram obtidas 54 publicações, sendo 38 na BVS (70,4%), 16 no PubMed (29,6%) e não houve registros na base de dados SciELO. Na fase de identificação foram excluídos 13 textos por duplicidade, um artigo no idioma japonês, uma tese e um artigo do tipo revisão.

Na fase de triagem foram avaliados 38 artigos, destes, após leitura do título e do resumo, 24 foram excluídos por não apresentarem relação com a temática ou por não responderem à pergunta de pesquisa. Dessa forma, a revisão iniciou-se a partir de uma amostragem maior e, ao final, 14 artigos foram considerados elegíveis. Após a leitura do texto na sua integralidade, nenhum artigo foi excluído por não responder à questão norteadora ( Figura ). Dessa forma, o número referente à amostra final desta revisão foi de 14 artigos, que se referiram ao descarte de efluentes radiográficos em diferentes instalações de saúde, bem como contemplaram diversas categorias profissionais, o que permitiu uma boa representatividade da amostra.

Fluxo do processo de seleção dos artigos para revisão integrativa.
Figura
Fluxo do processo de seleção dos artigos para revisão integrativa.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

A partir da análise das evidências científicas foi observado que, dos 14 artigos incluídos, 71,5% (n = 10) deles foram desenvolvidos no Brasil, 14,3% (n = 2) na Índia, 7,1% (n = 1) na Austrália e 7,1% (n = 1) no Irã. Quanto ao idioma, 50,0% (n = 7) dos artigos foram publicados em português, 42,9% (n = 6) em inglês e apenas 7,1% (n = 1) em espanhol. Verificou-se que 92,9% (n = 13) dos primeiros autores são cirurgiões-dentistas e 7,1% (n = 1), engenheiros mecânicos.

Os resultados mostraram que o maior quantitativo de publicações ocorreu no ano de 2011 (28,6%; n = 4) e 2012 (28,6%; n = 4), seguido dos anos de 2005 (14,4%; n = 2), 1997 (7,1%; n = 1), 2014 (7,1%; n = 1), 2015 (7,1%; n = 1) e 2019 (7,1%; n = 1).

No Quadro são apresentadas as informações sintetizadas das evidências selecionadas para a presente revisão.

Quadro
Características dos estudos incluídos sobre o descarte de efluentes radiográficos em saúde.
Características dos estudos incluídos sobre o descarte de efluentes radiográficos em saúde.

DISCUSSÃO

Dimensão contextual

Quanto às características gerais dos estudos, percebeu-se que a maioria dos artigos incluídos na presente revisão tem como autores e componentes amostrais profissionais de odontologia. Tal fato pode estar relacionado à falta de compromisso de muitos cirurgiões-dentistas quanto ao cumprimento das legislações sobre o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde e legislações ambientais7 , 16 , 20 , 21 .

Por isso, o gerenciamento dos resíduos radiográficos deveria constar nas grades curriculares dos profissionais de saúde e os odontólogos deveriam compreender de maneira detalhada esse processo de gerenciamento, uma vez que serão os profissionais mais próximos a essas atividades nos serviços de saúde. Além disso, a educação continuada, após a formação em nível de graduação, poderia ser uma estratégia importante na atualização e capacitação sobre o descarte correto dos efluentes radiográficos2 , 9 , 17 , 18 , 19 , 20 , 21 .

As legislações sobre o descarte de efluentes radiográficos são diferentes em cada país e no mesmo país podem existir regulamentações federais, estaduais, municipais e distritais. Acrescenta-se que essas regulamentações passam por atualizações periódicas que modificam os parâmetros do descarte.

Dimensão referencial

Os estudos incluídos mostraram que a principal forma de descarte de efluentes radiográficos em serviços de saúde foi em esgoto e sem tratamento prévio7 , 8 , 9 , 10 , 16 , 17 , 19 , 20 . Tal fato contrapõe as recomendações internacionais, como o Healthcare Environmental Resource Center23 que recomenda o descarte responsável dos resíduos gerados e as orientações vigentes brasileiras.

No Brasil, o lançamento de efluentes radiográficos deverá respeitar as diretrizes da Resolução nº 222/20181 da Anvisa e nº 430/20116 do CONAMA. Ambas recomendam o tratamento de todos os efluentes antes de serem despejados diretamente em corpos receptores. As legislações brasileiras não indicam as formas de tratamento, mas sinalizam apenas que testes de ecotoxicidade poderão ser realizados. A Resolução nº 430/20116 estabelece o limite máximo permitido para alguns parâmetros inorgânicos e orgânicos em efluentes antes do seu descarte como de até 0,2 mg/L de cádmio; 1,2 mg/L de tolueno; 1,2 mg/L de benzeno, entre outros.

Estudos apontam que os efluentes radiográficos descartados em esgotos sem tratamento prévio poderão acarretar consequências ambientais e à saúde humana, embora sejam escassos2 , 5 . Segundo dados da Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ), regulamentada pela ABNT 14725-4 de 200924 e que fornece informações acerca de vários aspectos dos produtos químicos quanto à proteção, à segurança, à saúde e ao meio ambiente, o tratamento dos efluentes radiográficos pode ser realizado no próprio serviço ou de forma externa, por empresa especializada. Vale destacar que, segundo as recomendações nacionais, cada serviço gerador do efluente radiográfico tem a sua autonomia para utilizar processos de tratamento que atendam ao preconizado pelas normas vigentes.

Segundo Lunar et al.25 , diferentes formas de tratamento têm sido propostas, como: precipitação química e sedimentação, oxidação química, adsorção de carbono, oxidação biológica e osmose reversa. Métodos combinados como processos químico-biológicos, oxidação químico-eletroquímica e oxidação-separação também estão sendo propostos. A reciclagem dos efluentes radiográficos por meio do tratamento biológico-Cl2, filtração-quelação, adsorção-osmose reversa poderá ser outra opção2 , 25 . Segundo Igarashi-Mafra et al.26 , a técnica oxidação foto-Fenton é empregada para a destruição de compostos orgânicos tóxicos presente nos efluentes radiográficos e não exige equipamentos caros podendo ser usada in loco nos pequenos serviços, cujas instalações e volume reduzido de resíduos não justificariam a adoção de outros tipos de processo, como a incineração2 , 26 .

O revelador e o fixador podem ocasionar lesões oculares graves, sensibilização cutânea, corrosão cutânea, mutagenicidade em células germinativas, carcinogenicidade, toxicidade aguda oral, perigo agudo e crônico para o ambiente aquático27 , 28 . Além disso, após o processo de revelação dos filmes radiográficos a solução de fixador contém alta quantidade de prata e, por isso, pode ser considerada um resíduo perigoso ao ambiente e à saúde humana8 .

Vale ressaltar que as substâncias químicas constituintes dos efluentes radiográficos nem sempre são removidas na sua totalidade pelas ETE, uma vez que muitas delas não possuem estruturas suficientes para remoção de componentes inorgânicos, incluindo a prata, principal contaminante químico dessas soluções2 , 8 .

No Brasil, o tratamento de esgotos é realizado em apenas 21,4% das cidades localizadas na Região Norte, 34,1% da Região Nordeste, 58,5% da Região Centro-Oeste, 58,6% da Região Sudeste e 46,7% da Região Sul12 , fato que evidencia a necessidade de tratamento e destinação final adequados dos efluentes antes do descarte nas redes de esgotos, a fim de evitar danos à saúde humana e ao meio ambiente.

Estudos incluídos na presente revisão7 , 10 , 16 , 18 , 20 mostraram que, para minimizar os impactos ambientais do descarte dos efluentes radiográficos, alguns serviços realizavam a diluição em água da solução reveladora, entretanto, não foi apresentado o detalhamento desse processo, incluindo qual o tipo de água empregada, bem como a sua quantidade.

Como os efluentes radiográficos, revelador e fixador, apresentam diferentes compostos químicos, o Healthcare Environmental Resource Center23 e a Resolução nº 222/20181 recomendam que não sejam misturados antes do descarte, a fim de evitar a formação de outros compostos químicos danosos ao meio ambiente e a saúde humana e, também, apontam formas de descarte distintas.

O Healthcare Environmental Resource Center23 estabelece uma quantidade de prata no revelador abaixo de 5 mg/L. Acrescenta que a solução de revelador pode ser descartada no esgoto desde que passe por estações de tratamento de águas residuais e recomenda aos geradores desses resíduos que verifiquem junto a essas estações restrições e recomendações sobre os componentes desses efluentes.

No Brasil, a Resolução nº 222/20181 sugere que as soluções de reveladores passem por processo de neutralização para alcançar um pH entre 7 e 9 e que, posteriormente, sejam descartadas em rede de esgoto com tratamento. No mesmo sentido, o Healthcare Environmental Resource Center23 aponta três condutas para o efluente de fixador: descartar como resíduo perigoso, pagar uma empresa para coletar e recuperar a prata do efluente ou ter uma unidade local de recuperação de prata. Enquanto a Resolução nº 222/20181 recomenda que as soluções de fixadores, quando não submetidas ao processo de recuperação da prata, devam ser encaminhadas para tratamento antes da disposição final ambientalmente adequada e que resíduos contendo metais pesados, como a prata, quando não submetidos a tratamento, devem ser descartados em aterro de resíduos perigosos - Classe I.

A prática da recuperação de prata dos efluentes radiográficos, principalmente na solução fixadora, foi observada por Fernandes et al.5 , num hospital em que duas empresas terceirizadas atuavam. Uma delas utilizava o método de conduzir a solução de fixador da processadora de filmes até a separadora de prata por tubos, e a recuperação da prata era realizada por meio de um processo eletrolítico contínuo e, posteriormente, a solução resultante era descartada por meio de tubos diretamente conectados à rede de esgotos, sem nenhum outro tratamento. A prata recuperada era dividida entre o hospital e a empresa. Já a outra empresa realizava a separação de prata do fixador por meio de um sistema constituído de um filtro para metais pesados e a solução de fixador resultante, o revelador e a água passavam por um descontaminador que deveria lançar a solução restante com os parâmetros dentro dos limites recomendados pelas legislações ambientais brasileiras. No entanto, foi observado que no descontaminador as soluções apenas sofriam diluição contínua com água corrente5 .

Outras opções apontadas nos artigos foram: devolução dos efluentes de revelador e fixador diretamente ao fornecedor20 , acondicionamento do efluente fixador em tambores para posterior venda5 e recolhimento das soluções por empresas terceirizadas especializadas no tratamento e disposição final ambientalmente adequada desses efluentes2 , 7 , 8 , 9 , 10 , 18 .

Acerca do recolhimento das soluções por empresas terceirizadas especializadas no tratamento e da disposição final ambientalmente adequada, nenhum estudo citou o nome de empresas responsáveis por esse tratamento, nem descreveu como foi feito o destino dado aos efluentes2 , 7 , 8 , 9 , 10 , 18 .

É importante que os responsáveis pela contratação de empresas que tratam os resíduos de serviços de saúde verifiquem se elas possuem licença de órgãos ambientais, capacidade técnica, qualificação e idoneidade moral2 .

No que diz respeito às empresas que tratam esses efluentes, Grigoletto et al.2 observaram que em Ribeirão Preto esses eram coletados e tratados por cinco empresas terceirizadas, destas três possuíam licença da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), uma possuía apenas telefone para contato e um participante não soube informar o nome da empresa que contratou. Essas empresas estavam localizadas nos municípios de Barretos, Diadema, Campinas, Franco da Rocha e São Paulo.

Kaster et al.10 averiguaram que na cidade de Pelotas (RS) não havia empresa local especializada no recolhimento de resíduos de serviços de saúde e de resíduos radiográficos, entretanto, três empresas de outras cidades próximas faziam essa coleta. Pontuaram que a necessidade de deslocamento para coleta entre cidades poderia resultar em altas taxas de coleta desses resíduos e, consequentemente, justificaria a ocorrência de infrações pelos geradores desses resíduos. Tal fato evidencia que o alto custo pode levar os profissionais a descumprirem as legislações regulamentadoras.

De maneira positiva, Oliveira et al.22 relataram que o descarte dos efluentes de revelador e fixador foi feito de acordo com os padrões estabelecidos pelos órgãos regulamentadores, mas não detalharam o método de descarte empregado.

A respeito da água de lavagem dos filmes, Grigoletto et al.2 destacaram que as resoluções nacionais deveriam incluí-la como resíduo químico, visto que ela contém todos os componentes do revelador e do fixador, além dos produtos de suas reações químicas, por isso também necessitaria passar por tratamento antes de ser descartada na pia5 . Apesar disso, Grigoletto et al.2 , Kaster et al.10 e Silva et al.18 observaram o envio da água de lavagem para tratamento por empresas especializadas.

Uma solução para a problemática dos efluentes radiográficos é a radiografia digital. De acordo com Köner et al.29 , o futuro da radiologia seria digital por essa apresentar inúmeras vantagens quando comparadas às outras formas de obtenção de imagens. O processo tradicional de obtenção de imagens tem perdido espaço para os equipamentos digitais, que dispensam o emprego de soluções para processamento radiográfico (revelador e fixador)28 .

Por outro lado, os desafios para o uso da radiografia digital são apontados, entre eles: o alto custo do equipamento digital, os custos de conversão de registros anteriores para digital, necessidade de treinamento de profissionais e técnicos, o incômodo ocasionado ao paciente pela espessura e a rigidez do sensor, o alto custo de manutenção dos sensores e a radiografia digital não ser de uso universal2 , 30 .

Apesar de não ser o objetivo desta pesquisa, alguns artigos mostraram a adesão à radiografia digital. Grigoletto et al.2 verificaram a utilização de equipamentos radiográficos digitais por três serviços de saúde. Sood e Sood17 mencionaram que 47% dos dentistas entrevistados usavam tanto radiografia convencional quanto digital e Shahab et al.19 constataram que 2% dos dentistas de sua amostra já utilizavam a radiologia digital.

CONCLUSÕES

As evidências sintetizadas por esse estudo apontam fragilidades importantes no descarte dos efluentes radiográficos, o que poderá colocar em risco o meio ambiente e a saúde humana. A falta de compromisso em cumprir as legislações específicas e diretrizes pelos profissionais e a falta de fiscalizações pelos órgãos competentes são fatores atrelados ao descarte incorreto. Apesar da importância das imagens radiográficas no contexto da área da saúde, durante a realização do presente trabalho, verificou-se que são escassos os estudos divulgados na América Latina sobre a temática e em outras partes do mundo como: Europa, Estados Unidos, Canadá e Ásia.

Infelizmente o esgoto torna-se uma opção que deve ser ponderada e observada com mais atenção, uma vez que muitas cidades brasileiras não dispõem de ETE e, mesmo quando dispõem, faltam evidências que avaliem o seu impacto na remoção desses poluentes químicos como a prata.

A negligência no cumprimento das diretrizes pelos geradores de efluentes radiográficos deve ser punida de maneira mais rígida e as fiscalizações devem ser frequentes a fim de comprovar a destinação adequada dos resíduos químicos radiográficos.

Também deve ser implementada a venda controlada das soluções de revelador e de fixador, de modo que os compradores comprovem o meio pelo qual ocorrerá o descarte como: pela celebração de contratos com empresas privadas especializadas no tratamento e na destinação ambiental, pelo envio ao aterro sanitário classe I ou por equipamentos específicos no tratamento deste que periodicamente coletem amostras que passem por análise de especialista para verificar os parâmetros estabelecidos pelas legislações.

Sugere-se que novos estudos com maior nível de evidências possam ser realizados a fim de investigar a relação direta dos efluentes radiográficos com a saúde e o meio ambiente. Assim como estudos transversais para verificar a adesão à radiografia digital pelos serviços de saúde nacional e internacional. Além disso, é importante verificar como as empresas terceirizadas tratam e descartam os rejeitos dos efluentes radiográficos.

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Autor notes

* E-mail: marcelere@yahoo.com.br

Declaração de interesses

Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

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