REVISÃO

A importância da educação em saúde para o retorno das aulas presenciais de adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: uma revisão de literatura

The importance of health education for the return to face-to-face classes of adolescents in COVID-19 pandemic times: a literature review

Luis Costa Coutinho *
Universidade Federal do Pampa, Brasil
Caroline Brandão Quines
Universidade Federal do Pampa, Brasil
Laiane Oliveira Lima Soares
Universidade Federal do Pampa, Brasil

A importância da educação em saúde para o retorno das aulas presenciais de adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: uma revisão de literatura

Vigilância Sanitária em Debate, vol. 11, pp. 1-8, 2023

INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 24 Setembro 2022

Aprovação: 03 Abril 2023

RESUMO

Introdução: A qualidade de vida relacionada à saúde refere-se à percepção do indivíduo sobre a condição de sua vida diante da enfermidade e as consequências e os tratamentos referentes a ela. A adolescência, por envolver uma fase de construção de identidade, pode proporcionar vivências que levam a comportamentos de risco.

Objetivo: Destacar a importância da educação em saúde para o retorno das aulas presenciais de adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19.

Método: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. A busca de dados aconteceu no Google Acadêmico utilizando os descritores: “Saúde na Escola”, “Programa Saúde na Escola” e “Escola e COVID-19”. Os critérios de inclusão são: estudos primários, publicados no período de janeiro de 2019 a julho de 2022, somente em português.

Resultados: Os estudos analisados objetivam, em linhas gerais, avaliar o papel da reabertura das escolas e as estratégias preventivas para diminuir os riscos de transmissão comunitária da COVID-19 em ambiente escolar. As políticas públicas têm a tarefa de equilibrar os prós e os contras da estratégia de reabertura das escolas, levando em consideração as consequências psicológicas, educacionais e sociais para as crianças e suas famílias.

Conclusões: Consideramos que o número de publicações relacionadas às medidas de educação em saúde para o retorno das aulas presenciais ainda é insuficiente. Assim, novas pesquisas devem ser realizadas para que sirvam como referencial seguro para a realização e manutenção do retorno das aulas presenciais com eficácia e segurança.

Palavras chave: COVID-19+ educação em Saúde+ políticas em Saúde.

ABSTRACT

Introduction: Health-related quality of life refers to the individuals’ perception of the condition of their lives in the face of illness and the consequences and treatments related to it. As adolescence is a phase of identity construction, it can provide experiences that lead to risky behaviors.

Objective: To highlight the importance of health education for the return to face-to-face classes of adolescents in COVID 19 pandemic times. This is an integrative literature review. The data search took place on Google Scholar using the descriptors: “Health at School”, “School Health Program” and “School and COVID-19”.

Method: The inclusion criteria are primary studies, published from January 2019 to July 2022, only in Portuguese.

Results: The studies analyzed aim, in general terms, to evaluate the role of reopening schools and preventive strategies to reduce the risks of community transmission of COVID 19 in the school environment. Public policies have the task of balancing the pros and cons of the strategy of reopening schools, considering the psychological, educational and social consequences for children and their families.

Conclusions: We consider that the number of publications related to health education measures for the return of face-to-face classes is still insufficient. Thus, new research must be carried out to serve as a safe reference for the realization and maintenance of the return to face-to-face classes with effectiveness and safety.

Keywords: COVID-19, health Education, health Policies.

INTRODUÇÃO

A qualidade de vida (QV) é um conceito multidimensional que inclui diferentes domínios (físico, psicológico, social e ambiental), componentes objetivos (como condições físicas, econômicas e sociais) e subjetivos (por exemplo: bem-estar e satisfação com a vida). Este conceito diz respeito à “percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro do contexto dos sistemas de cultura e valores nos quais está inserido e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”, ou seja, diz respeito à percepção do indivíduo da sua condição física, psicológica, dos relacionamentos sociais e do ambiente/contexto no qual se insere1 .

Cruz et al.2 definiram a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) como sendo a percepção do indivíduo sobre a sua condição de vida diante de uma enfermidade, bem como o modo em que a doença afeta sua condição de vida.

A medição dessa percepção é bastante subjetiva por causa da dificuldade que o indivíduo tem de relacionar sua disfunção às múltiplas dimensões da vida. Esses determinantes de saúde e doença transitam nos campos social e psicológico, particularmente no período da adolescência, uma vez que o indivíduo vivencia experimentações e transformações no corpo e na mente. Como envolvem uma fase de construção de identidade, tais vivências podem levar a comportamentos de risco, moldando os seus atributos e atitudes na adultez e velhice. Um conhecimento mais profundo sobre como os adolescentes percebem suas vidas permite uma maior compreensão sobre a sua saúde3 .

A adolescência é uma etapa compreendida por mudanças biopsicossociais, caracterizada por comportamentos próprios, questionamentos sobre regras e valores advindos da família, distanciamento desse ciclo familiar e aproximação dos grupos de amigos com os quais se identifica. É nesse momento de descoberta que o adolescente busca inserir-se na sociedade e se reconhecer no meio em que vive4 .

No Brasil, existem aproximadamente 45 milhões de adolescentes, muitos apresentam baixos indicadores sociais, principalmente na Região Nordeste. Foi observado na Pesquisa Nacional de Saúde que essa é uma das faixas etárias que menos procura por atendimento de saúde, seja para prevenção ou para recuperação da sua saúde. Soma-se a isso o fato de os adolescentes entre 15 a 19 anos apresentarem várias condutas de risco, como envolvimento em causas externas, uso abusivo de drogas e comportamento sexual de risco5 .

Diante desse contexto, o uso dos serviços de saúde é resultante de uma interação entre o comportamento do indivíduo em procurar por um serviço e do profissional que o conduz nesse atendimento. Estudos no Brasil e no mundo têm pesquisado a procura e a utilização dos serviços de saúde, entretanto, a maioria analisa a associação apenas com variáveis individuais, como: sexo, renda, escolaridade, raça/cor3 , 4 , 5 .

Em 2007, o Programa Saúde na Escola (PSE) foi instituído por meio de decreto presidencial com enfoque na execução de atividades de prevenção, promoção e atenção à saúde no ambiente escolar em todo o território nacional. Essas ações devem ser realizadas pelos profissionais da Estratégia Saúde da Família mediante a atuação multiprofissional junto aos professores e aos coordenadores pedagógicos das escolas públicas da rede básica de ensino6 .

A Educação em Saúde (ES) é um campo com múltiplas percepções e compreensões acerca de seus objetivos, dos processos de ensino e aprendizagem envolvidos e do próprio conceito de saúde: são diferentes compreensões demarcadas por distintas posições políticas e filosóficas sobre o homem e a sociedade. Neste sentido, é possível considerar a ES como um campo de estudos e práticas interdisciplinares, em que se destacam as áreas da saúde e da educação e, especialmente, no contexto educacional, o ensino de ciências (EC)7 .

A pandemia da COVID-19 tem revelado uma dimensão diferenciada na qual a ES requer estratégias diversas para alcançar seu objetivo, dentre elas, as crenças pessoais e a visão de mundo, que são amplamente influenciadas por fatores históricos, culturais e sociais e que são importantes na determinação da escolha dos indivíduos8 . Dessa forma, os profissionais de saúde da atenção primária possuem a importante função de promover programas e atividades de ES, ainda mais em tempos de pandemia pela COVID-19, visando assim, a QV dos indivíduos e famílias, sendo que estas ações devem estar integradas ao cuidado. As atividades de ES devem ser planejadas e direcionadas ao público-alvo, articuladas por uma equipe multiprofissional e executadas permanentemente, considerando o que os sujeitos precisam e desejam saber para que assim, seja promovida saúde9 .

Entendendo que a COVID-19 é uma doença infectocontagiosa emergente, a adoção das medidas de prevenção é a melhor opção para o controle da propagação do vírus. Sendo assim, com o intuito de conter a transmissão do SARS-CoV-2, fronteiras foram fechadas e diversas recomendações foram estabelecidas, como o distanciamento social, as orientações sobre a frequente lavagem das mãos e o uso de álcool em gel, a limpeza e desinfecção de superfícies com mais rigor e o uso obrigatório de máscaras em ambientes públicos10 .

Sendo assim, considerando que o distanciamento social é fundamental para controle da proliferação da pandemia, as escolas, assim como outros setores da sociedade, foram fechadas, e os alunos passaram a ter aulas por meio do ensino remoto emergencial. Grande parte dos setores já estão voltando à totalidade de seu funcionamento, porém, o retorno às aulas presenciais ainda tem sido polêmico tanto pelos governantes como pelos pais dos alunos, uma vez que muitas escolas não têm condições estruturais para manter um ambiente seguro para estudantes e funcionários11 .

Assim, essa revisão tem como objetivo destacar a importância da ES para o retorno das aulas presenciais de adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19.

MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura (RIL) a partir do método idealizado por Santos et al.12 , com adaptação. A RIL tem como finalidade sintetizar resultados obtidos em pesquisas sobre um tema ou questão, de maneira sistemática, ordenada e abrangente. É denominada integrativa porque fornece informações mais amplas sobre um assunto/problema, constituindo, assim, um corpo de conhecimento. Deste modo, o revisor/pesquisador pode elaborar uma revisão integrativa com diferentes finalidades, podendo ser direcionada para a definição de conceitos, revisão de teorias ou análise metodológica dos estudos incluídos de um tópico particular13 .

Na elaboração da presente revisão, foram seguidas as etapas: seleção da questão norteadora; estabelecimento dos critérios para a seleção da amostra e busca na literatura; definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados; avaliação dos estudos incluídos na revisão; interpretação dos resultados; e apresentação da revisão.

Para elaboração da problemática de pesquisa, foi utilizada a estratégia PICO-população, intervenção, comparação e outcomes . Neste sentido, esta revisão integrativa objetiva responder: qual a importância da ES para o retorno das aulas presenciais de adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19?

A busca de dados aconteceu no Google Acadêmico utilizando os seguintes descritores e/ou palavras-chave: “Saúde na Escola”, “Programa Saúde na Escola” e “Escola e COVID-19”. Como critério de inclusão, foram incluídos: estudos primários, publicados no período de janeiro de 2019 a julho de 2022, apenas no idioma de português. Foram excluídos: capítulos de livros, teses de doutorado, dissertações de mestrado e relatórios técnicos.

Para a extração dos dados, foi utilizado um formulário de coleta de dados elaborado para este fim pelos autores do estudo, que continha: informações sobre autores e ano de publicação do estudo; base de dados e periódicos; local de realização e idioma da publicação; objetivos, metodologia, resultados e conclusões dos estudos. Os dados foram agrupados por semelhança e organizados em categorias temáticas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O levantamento de dados foi realizado entre os dias 1o e 31 de maio de 2022 e obteve 13 publicações científicas no Google Acadêmico, conforme descritores e/ou palavras-chave e critérios de inclusão e exclusão definidos anteriormente. Após a leitura dos títulos, foram excluídos dois artigos, por estarem duplicados nas bases de dados. Dos 11 restantes, foram excluídos mais dois, após a leitura dos resumos. Dessa forma, foram selecionados nove para leitura do texto completo. Após essa etapa, foram excluídos mais três por não se adequarem aos critérios de inclusão propostos. Ressaltamos que os estudos foram selecionados devido às características mais recentes, que assim nos permitiram uma análise mais aprofundada da temática em questão, bem como uma melhor correlação dos conceitos que o presente trabalho visa apresentar, caracterizar e comparar. Todavia é importante evidenciar a escassez de estudos sobre o conceito trabalhado neste estudo. O fluxograma da estratégia de seleção dos artigos está apresentado no Quadro 1 .

Quadro 1
Fluxograma da estratégia de busca realizada no Google Acadêmico.
Fluxograma da estratégia de busca realizada no Google Acadêmico.

Os estudos selecionados procuraram, em linhas gerais, avaliar o papel da reabertura das escolas e as estratégias preventivas em vigor nas escolas em termos de risco geral para crianças e transmissão comunitária. Os formuladores de políticas têm a tarefa de equilibrar os prós e os contras da estratégia de reabertura das escolas, levando em consideração as consequências psicológicas, educacionais e sociais para as crianças e suas famílias. Outra questão a ser considerada é representada pelas disparidades e desigualdades socioeconômicas que poderiam ser ampliadas com o fechamento da escola, como: a manutenção do distanciamento social, a reorganização das turmas em turmas menores, a disponibilização de higienização adequada dos espaços, móveis e brinquedos, a pronta identificação de casos no ambiente escolar e o seu rastreamento. As descrições das características gerais dos estudos encontram-se no Quadro 2 .

Quadro 2
Características gerais dos estudos incluídos na revisão integrativa da literatura.
Características gerais dos estudos incluídos na revisão integrativa da literatura.

Foi percebido que a maior parte dos estudos foi publicado no ano de 2020. Todos os estudos foram voltados para conceitos subjetivos na área da educação, sem critérios de investigação dos dados de crianças de 0 a 19 anos, crianças que poderiam ter sido infectadas com SARS-CoV-2, e que frequentavam escolas/creches apresentando medidas de contenção na transmissão de SARS-CoV-2 após a reabertura gradativa desses estabelecimentos ao longo do ano de 2022. Não houve uniformidade em relação aos periódicos. O Quadro 3 apresenta a síntese qualitativa dos estudos incluídos na presente RIL.

Quadro 3
Síntese dos artigos incluídos nesse estudo.
Síntese dos artigos incluídos nesse estudo.
MEC: Ministério da Educação; SEED/PR: Secretaria de Estado da Educação do Paraná; Seduc/AM: Secretaria de Estado de Educação do Estado do Amazonas.

Os dados presentes no Quadro 3 apontaram que o retorno presencial poderia mitigar vulnerabilidades sociais, sanitárias e educacionais, enquanto os críticos afirmaram que tal decisão contribuiria para a disseminação do vírus. A retomada das atividades escolares presenciais em meio à pandemia de COVID-19 suscita controvérsias. Além disso, o lockdown e o fechamento da escola podem ter trazido consequências negativas para as crianças, afetando sua vida social, sua educação e sua saúde mental. De acordo com isso, alguns dos resultados obtidos mostraram através de evidências clínicas que as crianças têm principalmente a doença na forma assintomática ou leve e tem sido sugerido que elas também são menos propensas a espalhar o vírus, fato esse que destaca a possibilidade de retorno as aulas.

Diante disso, as escolas públicas e privadas da educação básica, cumprindo determinação do Ministério da Educação (MEC), suspenderam suas atividades. Porém, a Portaria nº 343, publicada em 17 de março de 2020 no Diário Oficial da União, passou a permitir que as aulas presenciais fossem substituídas por aulas remotas durante o período da pandemia. Além disso, em 1° de abril de 2020, foi publicada a Medida Provisória nº 934, que suspendeu a obrigatoriedade de escolas e universidades de atingir 200 dias letivos e manteve o cumprimento somente da carga horária mínima. Essa suspensão valeria para o ano letivo afetado pela pandemia14 .

Diante do contexto, o estudo 3 afirmou que a volta das aulas presenciais e as demandas de currículo pelas escolas e pelos professores deveriam alcançar no mínimo a quantidade de conteúdo prevista no ensino tradicional. Devido à pandemia, o ensino remoto foi inserido nessa nova realidade afetando a qualidade e quantidade de carga horária de 800 h prevista para o ano letivo de ensino básico. O estudo 1 apontou que os professores precisariam refletir acerca de estratégias utilizadas no processo de ensino e adaptá-las a cada realidade, uma vez que essa seria uma saída essencial para atenuar os impactos deixados pela crise COVID-19. Essa reorganização no calendário escolar deveria utilizar a didática com foco em ações pedagógicas que permitissem que a aprendizagem fosse recuperada, ou seja, buscar estratégias que diminuíssem os déficits provocados e aumentados pelo tempo em que as atividades estivessem paralisadas.

O estudo 2 complementa a ideia de que as atividades laboratoriais e culturais dentro das escolas seriam importantes também no período da pandemia e no pós-pandemia, pois deveriam ser encaradas como um treinamento de ES de uma cultura compartilhada de segurança, na qual os alunos seriam sensibilizados a promover, por conta própria, o rearranjo e a limpeza do local de trabalho/estudo, compartilhando a ideia de responsabilidade da higiene dentro da sala de aula com professores, alunos e demais funcionários da educação, o que vai ao encontro dos temas transversais em cidadania propostos pela educação brasileira, como ética, saúde e meio ambiente.

Os sistemas educacionais baseiam-se na ideia do reconhecimento no qual a educação é melhor ministrada por professores a alunos em sala de aula ou em diferentes espaços escolares, de acordo com o estudo 2. Baseado no estudo, o planejamento e a implementação das medidas preventivas foram necessários para diminuir a disseminação e uma forma de contenção da COVID-19, o que se mostrou essencial para que houvesse um retorno das aulas presenciais. As atividades educacionais presenciais deverão ajudar a comunidade estudantil tanto em relação aos conteúdos educacionais quanto na sociabilidade, além de colaborar na redução de problemas de saúde mental ou de violência doméstica.

O estudo 5 cita que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda salas de aula com no máximo dez alunos, desmembrando a turma em três partes, com o rodízio entre os pares. Entretanto, se a sala de aula for relativamente grande e atender à condição de manter o distanciamento de 1,5 metro entre os alunos, essa escala poderia ser otimizada, partindo do princípio de que metade da turma de 30 alunos teriam aulas nos dias pares e a outra metade nos dias ímpares, favorecendo, dessa forma, o ensino, mas tomando todos os cuidados necessários. Em uma escola que só funcionasse em um turno e que possuísse salas de aulas relativamente grandes, a rotina poderia melhorar dividindo metade da turma no período da manhã e a outra metade no período da tarde, assim respeitando os compromissos individuais dos alunos nessa divisão.

A organização para a entrada e a circulação dos alunos e funcionários na escola também favorece o distanciamento social. O estudo 2 evidencia que essa medida pode constituir um desafio para as escolas brasileiras, que possuem turmas com mais de 40 alunos, especialmente no ensino médio. Nesse caso, para a manutenção de pequenos grupos, a adoção do rodízio por dia/turma faz-se necessária. Esta opção pode comprometer a frequência escolar, afetando tanto o conteúdo quanto a minimização dos problemas decorrentes do fechamento das escolas. Entretanto, a adoção de pequenos grupos permanentes permite que, em caso de surto, somente o grupo fique suspenso, sem a necessidade de se fechar toda a escola.

O estudo 2 completa a ideia de que a implementação das medidas preventivas necessárias para diminuir a disseminação da COVID-19 seja fundamental bem antes do retorno às aulas, para as escolas terem tempo de fazerem as modificações que forem necessárias. No Brasil, estados e municípios têm certa autonomia para elaboração dos protocolos de contenção e prevenção da COVID-19 na volta às aulas, dando ênfase às recomendações dos órgãos de saúde e à situação epidemiológica de cada local, e a decisão de como o protocolo será seguido e implementado, na prática, poderá ficar a critério dos diretores das escolas.

Entretanto, as autoridades de saúde têm alertado para o planejamento sanitário, que deverá ser minuciosamente articulado e cuidadoso para o retorno das aulas, pois, possivelmente, as escolas voltarão a funcionar ainda em um ambiente bastante preocupante em relação à pandemia. Assim, existe um consenso no ponto em que, para o retorno escolar, ações de distanciamento social e de manutenção de procedimentos de higiene serão essenciais para que não ocorra um crescimento descontrolado de contaminados pelo vírus como discutido no estudo 1.

O estudo 4 trouxe a questão do aumento dos casos de abuso durante o isolamento social, o que é um fator a ser levado em consideração, pois envolve alunos e professores. Em momentos de crise e guerra, a violência contra as mulheres tende a aumentar, e é o que acontece nesse contexto pandêmico. Para exemplificar o que foi dito acima, trouxemos alguns dados: foi registrado em abril de 20204 , no começo da pandemia, que as denúncias de violência contra as mulheres, recebidas pelo canal 180 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), subiram 37,6% em todo o país; entre março e abril de 2020, os casos de feminicídio aumentaram 22% em 12 estados do Brasil, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Durante a quarentena, a vítima tem muito mais proximidade com o agressor e muito menos contato com amigos e familiares de confiança, o que pode desencorajá-la a procurar por ajuda. Além disso, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) chama a atenção para os casos de negligência, violência, exploração e abuso sexual contra crianças e adolescentes, que, devido à quarentena, aumentaram, visto que o estresse familiar ocasionado pelo contexto de isolamento pode resultar em agressões contra as crianças e os adolescentes4 .

Levando em consideração o estágio desenvolvimental da adolescência discutido no estudo 2, há frequentemente uma percepção de invulnerabilidade pessoal que acaba reforçando a adoção de comportamentos de risco, o que, no momento da pandemia/pós, pode aparecer no desrespeito às medidas sanitárias e preventivas. É fundamental que cada pessoa assuma a responsabilidade de seguir as orientações das autoridades de saúde locais e as regras da escola. Outra dificuldade que os adolescentes podem enfrentar seria a supervisão sugerida para que as regras de higiene sejam corretamente implementadas. Em um período de desenvolvimento da autonomia, pode parecer, para alguns, um retrocesso ter que ser supervisionado por adultos ou ter que ir direto da escola para casa e não ir caminhando com seu grupo de pares. É importante que as decisões sejam conversadas com os alunos desta faixa etária, para que haja uma melhor adesão e para que eles não se sintam diminuídos em seus direitos.

Trazendo a questão da saúde mental dos professores e demais funcionários da escola no estudo 3, percebe-se uma preocupação com a saúde mental dos professores diante do cenário de enfrentamentos e incertezas e da falta de subsídios suficientes para que o trabalho docente continue com a mesma qualidade. Os autores do estudo observaram a presença ou a intensificação de sintomas relativos à ansiedade, depressão, angústias e tristezas generalizadas.

Durante a pandemia, as medidas de contenção e as ações governamentais para reduzir a propagação do vírus trouxeram efeitos positivos e negativos, ocasionando uma polarização de ideias políticas. Uma vez que um dos diversos objetivos da educação escolar é dar condições para que o indivíduo participe da sociedade de forma crítica, afirma o estudo 1.

Com isso, o estudo 6 afirma que escola é um dos principais locais de formação de opinião que ocorre na infância e na adolescência, cujo objetivo já não deve ser a formação humana, mas a produção humana e a composição de competências, aptidões e características exigidas pelo mercado de trabalho. Ela se alia com instituições e instâncias que se apropriam de discursos e saberes, que geram uma narrativa ancorada em dados estatísticos e econômicos analisados de forma distorcida e tendenciosa (a pós-verdade) e que produzem uma realidade que objetiva fazer acreditar que tudo está bem: a negação da eficácia de medidas sanitárias como o uso de máscaras e o distanciamento social, o incentivo do uso de medicamentos não eficazes no tratamento da COVID-19, o atraso na compra de vacinas e na demora da imunização de toda a população, a propagação de um falso cenário favorável ao retorno das aulas presenciais que expõe à morte as crianças. As chances de morrer acompanham grupos específicos que estão mais expostos ao vírus e cujas vidas importam menos.

Tendo em vista o estudo 1, a escola é um espaço político e essa discussão é de suma importância no desenvolvimento completo do aluno perante a sociedade. Com isso, é importante que o viés político esteja presente nas escolas, para que possa servir como subsídio na ampliação da visão dos professores e da comunidade escolar sobre o seu papel como agente transformador da realidade e com responsabilidade social. Fazê-los compreender sua importância na construção do seu presente com vistas para o futuro e, assim, fornecer sentido até mesmo na importância de estar na escola, evitando que se sintam perdidos. A política no ambiente escolar deve ser usada com o intuito de ouvir as expectativas, aflições, suas reais buscas, necessidades e dificuldades.

O estudo 3 traz a questão das condições básicas estruturais para o retorno das aulas presenciais: 100% dos professores afirmaram que as escolas não estavam preparadas para o retorno às aulas presenciais. Dentre as justificativas apontadas, estavam incluídas: a falta de estrutura para a adequação a essa “nova realidade”, e nisso estão inseridos equipamentos tecnológicos, material de higiene e sua contínua reposição assim como a periódica higienização dos espaços; a falta de saneamento básico e, inclusive, de água; e a falta de um olhar para os profissionais com comorbidades, sendo que alguns sinalizaram adoecimento psicológico com a preocupação do retorno.

Isso é um alerta de que os sistemas públicos de educação não se prepararam adequadamente para receber alunos e professores e que um retorno em condições inapropriadas pode ser uma incubadora de novos casos de COVID-19. O retorno às aulas se configura como um novo cenário de incertezas e medos, pois a estrutura que muniu as escolas privadas não é a mesma que aguarda os profissionais da escola pública.

Devemos também lidar com a volta às aulas presenciais, determinada pelo Estado. É compreensível que a população esteja frustrada com as atividades, tal como ocorrem agora: há alunos exaustos; alguns não têm meios de participar das atividades acadêmicas on-line . Nesse formato, pais e responsáveis se veem como mediadores compulsórios do conteúdo e da aprendizagem, sem preparo prévio. Toda essa conjuntura pressiona os representantes políticos que, por sua vez, administram de longe, sem consciência das singularidades do momento atual, agindo pela vontade de priorizar sua reputação momentânea em vez do objeto de seu ofício. Professores em ambiente presencial estão mais suscetíveis a doenças transmissíveis por contato, direto ou indireto, devido ao número de discentes que se encontra em uma sala de aula, aumentando as chances de contaminação. Uma epidemia dentro de uma pandemia, organizada por órgãos institucionais cientes e negligentes é, em suma, mais que genocídio, afirma o estudo 4.

De acordo com o estudo 5, as aulas no estado do Pará provavelmente ocorrerão com a chegada de uma vacina, mas ainda não temos essa possibilidade, possivelmente no final do ano se todos os protocolos de criação derem certo e funcionarem corretamente. Considerando a Medida Provisória nº 934, que estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo na educação básica decorrentes das medidas para o enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, é extremamente complexo o retorno às atividades presenciais neste momento de pandemia, ainda considerando a atual estrutura das escolas. Os modelos que temos possuem sucessos e fracassos, e o problema maior é que, em caso deste último, vidas terão ido embora.

Os profissionais da educação básica estão sendo vacinados, mas afirmaram que a vacinação da comunidade escolar não pode ser condição para reabertura das escolas. No site Vacinômetro, consultado em 21 de julho de 2021, o gráfico “Doses aplicadas de vacina contra a COVID-19, segundo os grupos prioritários” mostra que 843.119 trabalhadores da educação básica foram vacinados com a primeira dose e 110.462 com a segunda dose ou dose única. Notícia publicada no site do MEC em janeiro (2022) contabiliza 2,2 milhões de professores e 161.183 diretores atuando nas 179.553 escolas de educação básica no Brasil, ou seja, ainda não foi vacinada nem metade desses profissionais. Se a vacina, aliada às medidas sanitárias, é a forma de conter a contaminação, nenhuma dessas condições estão garantidas. O governo expõe, assim, a comunidade escolar ao risco de se contaminar, de adoecer e, por não estar completamente imunizada, de desenvolver formas mais agressivas de manifestação do vírus, de acordo com o estudo 6.

O estudo 5 conclui que já temos exemplos de retomadas do ensino que não deram certo no Brasil, talvez pelas atividades terem retornado muito cedo, em um momento em que a pandemia só tinha aumento de casos dia após dia e não tínhamos sinal de melhora no atendimento hospitalar. O fato é que iniciar qualquer atividade escolar no momento que os indicadores mostram aumento do número de casos, mortes e um colapso cada vez maior nos hospitais é totalmente desaconselhável, pois uma contaminação em massa em determinados locais só iria aumentar cada vez mais a demanda e a piora nos atendimentos hospitalares. Em um momento em que observamos o decréscimo do número de casos e uma relativa folga nos sistemas de atendimento hospitalares, em alguns países já citados foram tomadas medidas para o retorno às escolas de uma forma muito cuidadosa e escalonada, observando todas as recomendações possíveis.

CONCLUSÕES

A partir da análise dos dados, é perceptível a necessidade de uma consideração cuidadosa das implicações das políticas de fechamento de escolas na saúde dos adolescentes. Os adolescentes têm uma vida social ativa na escola, o que ajuda a aprender com os pares e impacta positivamente no desenvolvimento de traços de personalidade e no senso de identidade. Sendo assim, o isolamento social tem causado problemas de ruptura do relacionamento com colegas, mas também uma associação com depressão, culpa e raiva em estudantes. Além disso, as crianças e os adolescentes em isolamento e quarentena mostraram um risco aumentado de desenvolver transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade, luto e transtorno de ajuste. Em alguns casos, a coabitação forçada em ambiente doméstico, com pais que sofrem de problemas econômicos e de saúde mental, expõe esses indivíduos ao risco de vivenciar comportamentos violentos. Pensando assim, os benefícios potenciais de dispensar alunos das escolas para conter a propagação da infecção podem ser superados pelas consequências negativas de mantê-los em casa.

Assim, surge uma questão relacionada com as condições necessárias para a manutenção das aulas presenciais na pandemia de COVID-19 de forma segura. Medidas seguras para a reabertura das escolas podem incluir a criação de pequenos grupos fixos de crianças, de forma a equilibrar a necessidade de ir à escola e a necessidade de manter o distanciamento social, tendo em conta os espaços disponíveis e considerando potencialmente a implementação de turnos diferenciados para frequentar as escolas. Evitar o compartilhamento de materiais e a realocação de salas e áreas comuns, juntamente com a garantia de acesso frequente à lavagem das mãos, também podem representar estratégias bem-sucedidas que podem ser moduladas de acordo com a capacidade organizacional de cada instituição. Medidas como ventilação dos cômodos e sanitização dos ambientes são fundamentais. Além disso, as crianças podem se beneficiar muito com o tempo passado ao ar livre.

Os professores e funcionários da escola devem ser treinados adicionalmente para identificar os primeiros sinais de problemas de saúde mental relacionados à quarentena e ao isolamento. No que diz respeito ao sistema de vigilância, este deve consistir em informação/educação adequada de professores e pais, identificação imediata de casos no ambiente escolar, testagem de capacidades.

Em particular, a decisão sobre quando e se deve ou não reabrir as escolas foi deixada para os municípios com base no número de casos de COVID-19 na área. As orientações para a reabertura das escolas foram divulgadas pelo Ministério da Saúde. As medidas incluídas vão desde a verificação diária da temperatura até a manutenção da distância física e o uso de máscaras faciais.

Em suma, conclui-se que, no Brasil, ainda não se tem informações sobre segurança e eficácia da reabertura das escolas. Assim, as estratégias de reabertura das escolas devem ser orientadas por uma abordagem flexível para se adaptar ao contexto local em termos de dados epidemiológicos e capacidades do sistema, devendo ser levado em conta o equilíbrio entre prós e contras para os adolescentes.

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Autor notes

* E-mail: luisscosta10@gmail.com

Declaração de interesses

Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

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